A Palavra do especialista
por André Logaldi
A relação dicotômica entre potência e elegância de um vinho
Uma das coisas que amamos no vinho, certamente é a sua amplidão de resultados: há variáveis capazes de satisfazer todos os gostos e dentre muitas diferenças, algumas duplicidades saltam e se impõem tal como a relação dicotômica entre potência e elegância! Não que não convivam juntos e quando conseguem tendem ao sublime.
O ponto é como um único elemento, o vinho, é um sistema heterodinâmico na medida em que gera, dependendo da possibilidade de maturação dos bagos, “forças” desiguais.
A vontade do vinicultor e a terra na abrangência do conceito de terroir, condicionam os produtos finais e suas características de sabor.
Dos verões intensos californianos, dos ventos que espessam a casca das uvas, da sobrematuração retardando colheitas aos solos vermelhos ricos em ferro que conduzem à maior síntese de polifenóis, a potência tem virtudes e defeitos, estes últimos em geral balanceados em favor da elegância pela temperatura, altitude ou escolha de clones das videiras.
Para aferir elegância escolhemos uvas naturalmente pendentes ao estilo, como a Pinot Noir. Para a potência, desde que aliada a algum esplendor, a Cabernet Sauvignon.
E assim, temos a possibilidade de, se quisermos, passar a vida inteira tentando compreender as nuances que separam um Pommard de um Volnay ou um Cabernet Sauvignon de Mondavi de um Screaming Eagle.
Neste dilema entre potência e finesse, vivemos um momento transicional em que os discursos em favor do primeiro se atenuam. Ora, um vinho elegante agrada sempre e isso não pressupõe fraqueza. Já os poderosos tendem ao fastidioso, impressionam nos primeiros goles e não necessariamente até o fim da garrafa. A chamada era do “Big flavor” que atingiu seu ápice na safra californiana de 97 está sendo sutilmente removida dos holofotes por gente que ama sua terra sem ver a necessidade de serem combatentes de uma guerra do sabor imaginária, em que o vencedor é o que obtiver mais pontos nas resenhas dos críticos.
O planeta como um todo está se desvencilhando do mau espírito competitivo do pós-guerra, voltando a desejar a simplicidade, retornando à paz interior, que passa longe da vida vista como refém da economia industrial. O que comemos e bebemos tem importância vital, mais do que o que vestimos ou TVs que assistimos.
Não é difícil ver esse “pós-modernismo” tomando cada vez mais forma.
Recontextualizando as palavras do crítico de arte Mário Pedrosa: “os critérios de juízo para apreciação já não são os mesmos”.
O que vale para a arte vale para a vida! Santé!
“André Logaldi é membro da diretoria da ABS-SP, especialista em vinhos, palestrante, articulista e revisor de textos sobre vinhos”