A Palavra do especialista
por André Logaldi
É notável o crescente interesse pelo “natural” situado num polo extremo dentro de um escalonamento de intervenções químicas, que podem ser vistas como positivas ou negativas, de acordo com visões mais ou menos radicais dos defensores de cada prática.
O problema é que o esclarecimento ainda é desordenado e pouco consistente, pois apesar das tentativas de regulamentação, ainda muito jovens (2012) e em constante movimento, os produtos de culturas ditas orgânicas, biodinâmicas ou naturais permanecem como um vasto e aberto campo de experimentações, obviamente com resultados díspares que em raros casos permitem a identificação de um padrão, sobretudo do ponto de vista organoléptico.
No quesito “gosto”, os vinhos de metodologia pouco intervencionista parecem de modo consistente preservar melhor acidez mesmo em anos quentes e ostentar uma sensação de maior conteúdo de extrato seco e um frutado mais brilhante (no palato), nas palavras do crítico Jean-Marc Quarin, um frutado “éclatant” (algo como resplandecente)! A mineralidade, por excelência o descritor da “Nova Ordem”, das modas passageiras, também é muito citado.
Outro ponto sobre o qual já escrevi algumas vezes é a expressão em termos aromáticos: estes vinhos são não raramente portadores de notas um tanto exóticas, com descrições algumas vezes hilariantes por parte dos enófilos mais apaixonados.
Algumas delas são aceitáveis e compatíveis com o que talvez possa ser tomado como proporcionais a escolhas de técnicas audaciosas de vinificação, mas muitos possuem defeitos, frequentemente derivados de contaminação por brettanomyces e fenóis voláteis, gerando aromas como o de estábulo nos tintos e de tinta guache nos brancos.
Com relação ao cultivo biodinâmico, apesar de muitos adeptos importantes, ainda se pode ver que a certificação não é totalmente estabelecida, existindo lacunas que certamente enfraquecem as bases de solidificação da relação entre produtor e cliente.
A começar pela interminável lista de denominações como natural, orgânico, biodinâmico, o “SAINS” (sigla francesa para nomear vinhos “sem nenhum insumo ou sulfito adicionados) e também as variações em função dos órgãos certificadores e seus diversos graus de exigências como AB, Ecocert, Demeter, AVN e etc.
Nem vale a pena entrar em detalhes, por si só a citação já basta para se ter uma ideia de quanto o sistema permanece confuso, não?
A celeuma prevalece porque também muitos produtores não aceitam todos os termos de cada selo certificador e não é raro que trabalhem de modo “híbrido”, de acordo com as necessidades que veem como prioritárias em seus próprios vinhedos.
Aspectos como acima citados implicam em uma perda do diferencial destes vinhos no momento da compra. Se para alguns que se valem dessa filosofia para a vida, é um atrativo, para muitos outros compradores que não içam esta bandeira, a menção biodinâmica ou orgânico ou natural não é um motivador para adquiri-los.
Enfim, esse caminho pode e deve ser bem dirigido, é um sinal de respeito à terra e ao consumidor, mas ainda está engatinhando em meio a ventos turbulentos que podem perturbá-lo, um deles é o marketing enganoso, tentando tirar proveito das melhores qualidades porém sem necessariamente obedecer as regras de sustentabilidade, como por exemplo o abuso de cobre nos vinhedos para minimizar a sulfitagem!
Sustento minha paixão pelos bons e meu eterno repúdio aos ruins! Santé!
“André Logaldi é membro da diretoria da ABS-SP, especialista em vinhos, palestrante, articulista e revisor de textos sobre vinhos.”
Observação da redação da revista Eno Estilo:
André Logaldi Foi o revisor técnico da edição brasileira, datada de 2008, do livro “Vinho do Céu à Terra”, do mestre da biodinâmica, o francês Nicolas Joly.
Leia também na revista Eno Estilo por André Logaldi: A Heterodinâmica e o gosto